6 de mai. de 2011

Um cidadão Eco-prático

Fazendeiro de alimentos orgânicos. Produtor de documentários indígenas. Com vocês, os outros papéis do ator



Foi uma visita-surpresa. Eles chegaram de repente e acabaram fi cando três meses na casa da família. Três meses para um jovem de 15 anos, que vivia no Rio de Janeiro no fim dos anos 70, era um tempo longo, ainda mais nas esperadas férias de verão. Para um índio, três meses são quase nada. É o tempo que se leva para fazer a preparação de um dentre tantos rituais que a aldeia realiza. Mas, nesse caso, o encontro transcendeu as várias noções de tempo. Hoje, o ator Marcos Palmeira descreve os sentimentos que teve de encantamento no seu primeiro encontro com os índios xavantes. “Eles eram muito diferentes”, conta. Alguns dos índios não falavam sequer uma palavra em português, e Marcos teve de encontrar um jeito de se comunicar com eles. Acabou aprendendo um idioma universal: o do afeto. Essa convivência tocou de maneira profunda o ator e o grupo de índios e os laços se fizeram sólidos e, mais de 30 anos depois, Marcos Palmeira encontrou uma forma de dividir com os telespectadores as lições que aprendeu com seus amigos através de um programa que ajudou a idealizar e apresenta todos os domingos na TV Cultura. Chama-se A’Uwe , e é o único na TV totalmente dedicado aos índios do Brasil.


Acima, no programa exibido pela Tv Cultura A' Uwe

Marcos e Vicente Carelli no A'Uwe


O “sem medo”
O pai de Marcos, o cineasta Zelito Viana, foi muito sábio ao promover o contato do filho de 15 anos com índios do interior do Brasil. Enquanto a maioria dos adolescentes sonhava em passar uma temporada fora do país, essa experiência abriu os olhos do garoto para um universo muito mais próximo e não menos enriquecedor. Naquela época, Marcos Palmeira já estava envolvido com cinema e TV porque, além do pai, Marcos é filho da produtora Vera di Paula e sobrinho do comediante e escritor Chico Anysio. A visita dos índios xavantes à casa da família na capital carioca foi uma retribuição à temporada que Zelito havia passado rodando o documentário Terra dos Índios, um clássico do cinema nacional. “Eu cortei o cabelo como eles e fiquei completamente envolvido com sua cultura”, relembra Marcos. Seis meses mais tarde, ele e um amigo resolveram inverter a experiência e embarcaram em uma viagem que transformaria para sempre a vida deles: foram morar dois meses entre os índios da Aldeia Xavante São Marcos, na Terra Indígena de Parabubure, em pleno Mato Grosso. Marcos lembra com muito carinho desse tempo. “Era época das festas e a gente participou de tudo. Houve a festa tradicional que celebra a passagem dos meninos adolescentes para a juventude, e eu participei dos rituais como se fosse um deles, com os sacrifícios e as provações. E depois fui batizado com um nome xavante que levo até hoje: Tsiwari, que significa ‘sem medo’.”

Em 1980,na sua primeira visita a Aldeia Xavante, com 15 anos e cabelo de índio


Ativista tupiniquim
A vivência entre os índios foi um divisor de águas na vida do ator – experiência que acabou influenciando até o seu temperamento. Marcos é uma pessoa calma no jeito de falar, conversa olhando nos olhos e parece nunca ter pressa, apesar da agenda sempre apertada. “Além disso, os índios mexeram com a minha consciência em relação ao meio ambiente e ao fato de nosso país não os valorizar. Tudo isso se acendeu graças ao contato íntimo com eles. Foi uma mudança radical, principalmente para um garoto que estava estabelecendo sua relação com o mundo”, diz ele.

De lá para cá, Marcos se manteve ligado à causa: passou pelo Museu do Índio (no Rio de Janeiro) e participou da produção de diversos documentários, até que, em 2004, resolveu voltar à aldeia onde havia vivido 25 anos antes em um projeto grande. Marcos juntou um grupo de amigos (diretora, produtor, cinegrafi sta, técnico, fotógrafo e socióloga) e fez uma expedição ao coração do Brasil para reencontrar os amigos e ver de perto as condições em que estavam vivendo os xavantes. O projeto deu origem a um documentário chamado Expedição A’Uwe, a Volta de Tsiwari. Uma das cenas mais tocantes do filme é o momento em que o grupo chega à aldeia, Marcos desce do jipe e dá um abraço apertado no cacique Germano Tsremiwadze, seu pai índio. Sereno, Germano não fala uma palavra, pega Marcos pela mão e o leva para dentro da cabana para chorarem juntos o chamado choro da saudade. Uma maneira sincera que os índios xavantes têm para expressar o sentimento pela longa ausência.

O longa-metragem mostra o trabalho que Marcos iniciou de apoio aos índios, que precisavam aprender a plantar e a viver de forma sustentável dentro das novas terras demarcadas, já que não poderiam mais viver como nômades. “Os índios me mostraram que a gente não precisa de tanta coisa pra ser feliz.” E foi com esse sentimento que ele levou à aldeia, junto com seus conhecimentos de agricultura orgânica, implantando um projeto que hoje está espalhado pelo Brasil inteiro.

 Na luta para o não esquecimento da cultura, afetada pela aculturação que o homem impôs covardemente aos índios




Imagens do seu retorno, 25 anos depois de ter convivido 3 meses com os Xavantes, visita que virou um projeto que virou um documentário "Expedição A’Uwe, a Volta de Tsiwari"



Fazendeiro orgânico
A ligação de Marcos com o campo vem desde quando era criança: ele passou a infância com o avô numa fazenda no interior da Bahia, em Itororó. Em 1996, Marcos decidiu comprar sua própria fazenda em Teresópolis, no interior do Rio de Janeiro. Paralelamente à carreira de ator, começou a produzir hortaliças, frutas e laticínios no método convencional. “Eu achava que tudo o que era natural era saudável. Depois que descobri os agrotóxicos e o adubo químico, por exemplo, optei por seguir o caminho do natural de qualidade e comecei a recuperar a forma como se plantava há 50, 60 anos”, diz o ator, orgulhoso do seu trabalho. “Hoje, eu não uso agrotóxico, os animais são todos tratados com homeopatia, não existe nenhum tipo de contaminação na fazenda, nenhum tipo de veneno, a gente preserva o meio ambiente, a natureza, trabalha com refl orestamento e cuida para que os funcionários tenham qualidade de vida.” Os produtos da fazenda são vendidos em supermercados do Rio de Janeiro e o trabalho que ele e o sócio, o engenheiro agrônomo senegalês Aly Ndiaye, desenvolveram se tornou uma referência nacional. Marcos e Aly criaram o PAIS – Produção Agrícola Integrada Sustentável, uma parceria da Fazenda Vale das Palmeiras com o Sebrae e a Fundação Banco do Brasil, que é uma tecnologia social baseada na agricultura sustentável, sem uso de agrotóxicos, que une a produção alimentar à preservação do meio ambiente. O objetivo é ensinar a pequenos produtores o conceito de sustentabilidade e qualidade de vida. E está dando certo: já são mais de mil comunidades transformadas.


Na fazenda Vale das Palmeiras (Teresópolis) onde produz alimentos orgânicos


Atitudes simples, com grandes efeitos
 Em meio à correria do dia-a-dia, ele vibra com as coisas simples do cotidiano, como um copo de suco de açaí bem gelado ou uma vitória do seu time, o Vasco. A seu respeito, sua ex mulher e mãe da filha, Júlia, a diretora Amora Mautner, já revelou em algumas entrevistas que tem uma definição interessante: “Sou casada com um índio”.

De todos os aprendizados que Marcos Palmeira teve, um deles foi sem dúvida o mais forte: “Nós nos afastamos cada vez mais de sentimentos básicos. A contemplação, por exemplo. Estamos sempre com pressa! A gente não se alimenta, a gente come. A gente não bebe água, a gente mata a sede”. E vai além em sua defesa ardente desse retorno ao básico. Marcos acredita que hoje as pessoas precisam interagir mais umas com as outras e com o ambiente em que vivem, principalmente em relação às atitudes mais usuais. “Os índios me mostram que nós, os ‘brancos’, não respeitamos os outros, as outras culturas, temos muito preconceito. Se você prestar atenção, a gente mal se relaciona com o próprio vizinho, e o vizinho pode ser um grande parceiro.” Ele termina a entrevista com seu jeito calmo e sorridente: “Essa coisa de você ter atitudes simples é o que faz toda a diferença: não jogar lixo no chão, não deixar a torneira aberta, apagar a luz, andar mais a pé, evitar o carro, incentivar o cultivo orgânico, sorrir para as pessoas. Essas coisas parecem bobagem, mas mudam tudo”, diz Marcos. Sem nenhum medo.






Um comentário:

  1. E precisa comentar? Marcos Palmeira é tudo de bom, nem precisava ser um 'cabloco' tão delicioso!

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