25 de out. de 2011

Melhores Filmes: Die Welle - The Wave - A Onda


Será possível o surgimento de novas autocracias? Pra quem acha que não, isso não é possível, recomendo assistir Die Welle.







Uma das perguntas sem resposta de The Reader pode ter a sua contestação em Die Welle: afinal, como foi possível a ditadura de Hitler? E mais: ela poderia se repetir hoje em dia? A juventude atual, especialmente na Alemanha, rechaça a idéia de virar uma “massa de manobras” de um ditador. Inicialmente muita gente pode não entender como isso foi possível, mas o bem acabado filme alemão Die Welle mostra que a manipulação de grupos não é nada assim tão complexo. Basta usar um conceito bem em voga ultimamente, da ação participativa, além de observar com atenção as demandas de uma massa descontente e desunida. Com um roteiro escrito com esmero e uma direção dentro da escola do “novo cinema alemão”, Die Welle é um destes bons exemplos de filmes que podem ser feitos sobre temas bastantes atuais e que se originam da Europa.

A HISTÓRIA: 
O professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel) queria dar uma classe de anarquia para seus alunos do ensino médio, mas foi “obrigado” por um colega e pela diretora da escola a preparar aulas de autocracia. Inicialmente ele fica surpresa com a sala cheia – provavelmente boa parte dos alunos está mais interessado no professor “rock’n roll” do que no tema em si, já que a maioria nem sabe do que se trata autocracia -, com um número de alunos que só aumentaria graças a sua maneira “diferente” de lecionar. Impelido por um questionamento em sala de aula e pela vontade de mostrar trabalho para os demais colegas, Rainer começa um experimento em classe que vai mudar a vida de seus alunos e criar perplexidade na comunidade local.

VOLTANDO À CRÍTICA 
(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Die Welle): A manipulação das massas ou, em outro grau, dos indivíduos, não é algo novo. Também não é uma prática que foi abolida com o fim dos sistemas totalitário. Parece um papo chato, mas a verdade é que diariamente várias fontes e correntes estão agindo para manipular você e eu. Seja para o consumo ou para apoiar uma forma de atuar – e condenar outras; ou para apoiar umas idéias em detrimento de outras. Não importa. Diariamente somos manipulados – ou estamos sujeitos a isso.
Mas uma coisa é ser manipulado para fazer algo “inofensivo”, como comprar um produto que você não tem nenhuma necessidade, outra é ser impelido a formar um grupo fechado que exclui tudo e todos que não estiverem de acordo com seus preceitos. Sobre isso e outras “coisitas” é que trata Die Welle. No melhor estilo de experimentação em sala de aula, Rainer Wenger quer demonstrar, durante a semana de aulas de seu curso de autocracia, como é possível o surgimento de movimentos ditatoriais. Impressionante como os jovens “avoados”, desunidos e individualistas aderem a um movimento que prima pela disciplina e pela padronização dos indivíduos.
Inicialmente o que era uma “brincadeira” ganha traços de seriedade e, como pode ocorrer em qualquer situação – com ou sem experimento em sala de aula -, sai do controle através de mãos de extremistas desequilibrados. Acredito que os jovens que o filme mostra começaram a aderir as propostas do professor um pouco por “coña”, ou seja, na brincadeira. Mas depois, ao sentirem suas opiniões sendo escutadas no conjunto de um processo de “construção” do grupo, assim como de se sentirem protegidos por pessoas daquela “irmandade”, cada aluno também se sentiu forte e valorizado – coisa que muitos deles não sabiam o que era, em uma comunidade competitiva onde interessa sua origem (classe social e raça) mais do que sua capacidade individual -, transformando aquela brincadeira em algo muito sério e real.
A situação saiu do controle e o professor, avesso ao que acontecia fora da sala de aula, não se deu conta disso até que fosse tarde demais. Claro que a ânsia dele em ser valorizado e levado a sério como professor – mesma angústia daqueles jovens desorientados – ajudou em sua cegueira. A verdade é que experimentos como esse deveriam ser muito melhor controlados – e, preferencialmente, explicados. Não adianta apenas experimentar, é preciso providenciar “legendas” sobre o que se está fazendo, deixando claro motivos e riscos. Do contrário, uma idéia legítima de “apropriação” do conhecimento pode se transformar em um palco para a exposição de patologias e/ou descontroles. Como no caso do que se vê em Die Welle.
O filme, dirigido com bastante ritmo e cuidado pelo jovem Dennis Gansel, trata de vários assuntos em paralelo. Ao mesmo tempo que fala sobre a manipulação das pessoas, trata da falta de sentido e de orientação na vida dos jovens – um tema atual há algumas décadas e que algumas vezes parece apenas ter piorado. Mas ele trata também da responsabilidade dos “mestres” e da busca por valores que sejam legítimos. Mas, mais que tudo isso, Die Welle trata da capacidade do ser humano em fazer absurdos quando pode se esconder “atrás do coletivo”. Brigas de torcidas de futebol, linchamentos públicos, entre outros exemplos nos mostram de tempos em tempos que este tipo de comportamento “animal” insiste em perdurar. Pessoas “esclarecidas” e letradas se comportam como bestas quando tem ao seu lado o apoio de pessoas igualmente “cheias de razão” (estou sendo irônica, claro).
E como é inevitável, o filme mostra que existem dois lados da moeda chamada “autocracia”. Se em uma face do experimento de Rainer Wenger vemos a jovens se sentindo “poderosos” enquanto grupo unido em uma mesma “ideologia”, de outro contemplamos a exclusão sumária de qualquer forma de pensamento contrário. Não existe espaço para dúvidas ou para idéias diferentes daquela que a gestão autoritária do grupo dominante prega. Isso pode ser visto em sistemas autocratas mais óbvios, como o de uma ditadura, e até mesmo em formas “prioritárias” de pensamento em sociedades democráticas como a nossa – quem hoje em dia questiona o capitalismo, o livre consumo, o uso da internet em todos os cantos? O pensamento crítico, geralmente, não é bem visto ou considerado de “bom tom”. Mesmo na tão proclamada democracia.



OBS DE PÉ DE PÁGINA: 

Die Welle é baseado em uma história real. Mas diferente do que o filme mostra, a história que inspirou o escritor nova-iorquino Todd Strasser – e, posteriormente, o trabalho dos roteiristas Peter Thorwarth e Dennis Gansel (diretor do filme) – ocorreu nos Estados Unidos. Mais precisamente na classe do professor Ron Jones, que resolveu fazer um experimento chamado de “Terceira Onda” com os alunos da escola onde lecionava em 1967, a Cubberley High School em Palo Alto – região que ficou famosa pela corrente crítica da comunicação surgida na década de 1940.
Incialmente, parece que o roteiro do diretor e de Peter Thorwarth ambientam o filme em uma cidade comum da Alemanha nos “dias atuais”… Se é bem verdade que um experimento como o da “Terceira Onda” poderia perfeitamente ser tentado hoje na Alemanha – ou em qualquer país do mundo, praticamente -, alguns detalhes do filme deixam em dúvida sobre a intenção dos realizadores em datar esta história. Digo isso porque, apesar da cara de século 21, o filme mostra carros que expõe o prefixo BE que, segundo o site IMDb, deixaram de ser usados em 1975. Curioso, não?
Die Welle é mais um bom exemplo do novíssimo cinema alemão. Uma forma de fazer filmes que prima pelo dinamismo, pela câmera acelerada, por temáticas contemporâneas tratadas de forma crítica e que, muitas vezes, enfocam a juventude daquele país. Bons exemplos deste cinema são Lola RenntGoodbye, Lenin! e Die Fetten Jahre sind Vorbei (ou The Edukators), só para citar alguns dos que eu já vi e recomendo.
Outro tema que o filme trata é sobre a dificuldade dos professores hoje em dia em conseguirem ensinar algo… antes do experimento de Rainer começar, praticamente todos os alunos estavam desinteressados no tema e no que a aula podia render. Só quando ele começou o experimento e, com ele, a revelar o conhecimento através da “participação” dos alunos é que a classe ganhou outra dinâmica. Os jovens se sentiram interessados e motivados para aprender, afinal, trouxeram para a sua vida cotidiana idéias que tinham em sala de aula. Este tipo de aula atualmente é praticamente considerada “padrão” nas escolas, quando professores são incentivados a dar classes de intercâmbio constante entre ensinamentos do professor e dos alunos – vide Paulo Freire e sua concepção que ganhou admiração mundial. Ou seja: o que se vê ali não é de todo absurdo, o problema é a forma com que a idéia cresceu e perdeu o controle. O que faltou, para mim, foi a contextualização e as explicações dos objetivos e do sentido por parte do professor. Mas algo é fato: definitivamente não é fácil ser professor hoje em dia.
O elenco todo, formado basicamente por jovens, está muito bem. Destaco, do núcleo principal da história, Frederick Lau como Tim Stoltefuss, o garoto que leva mais a sério o experimento da “Onda” (e que demonstra, para mim, propensão ao desequilíbrio e ao extremismo desde o início, levando muito a sério a brincadeira); Max Riemelt como Marco, um dos líderes da juventude local e namorado de Karo, interpretada por Jennifer Ulrich, uma das duas vozes dissonantes do “movimento”; Christiane Paul como Anke Wenger, professora e esposa de Rainer; Jacob Matschenz como Dennis, um dos garotos que procura defender o movimento até depois que ele já se mostrou desastroso.
Também destaco a brasileira (pois sim!!) Cristina do Rego como Lisa, amiga de Karo que acaba mudando totalmente seu comportamento quando ganha “força” através do grupo; Elyas M’Barek como Sinan, o jogador de pólo aquático que era um bocado desprezado por suas origens até o movimento começar; Maximilian Vollmar como Bomber, um dos “guardas” da Onda que acaba ficando perplexo com seu desfecho; Max Mauff como Kevin, o dissidente do movimento no início, um bocado “do contra”, e que acaba sendo “levado” pelos colegas para dentro da Onda; Amelie Kiefer como Mona, amiga de Karo que também fica contra o movimento; e por aí eu seguiria… No geral, os atores fizeram um belo trabalho.
Mas ainda que eu destaque todos os atores citados anteriormente, os grandes nomes do elenco são mesmo Jürgen Vogel e Frederick Lau. Ambos fazem papéis difíceis sem cairem no extremismo que seria “compreensível”. Em lugar disso, apresentam seus personagens de maneira bastante verossímel. Também gostei muito da atriz Christiane Paul, competente e muito bonita. E, quem diria, temos até a uma brasileira em um dos papéis principais!! 
Die Welle teria custado € 5 milhões (de euros) e faturado, apenas na Alemanha, pouco mais de US$ 20 milhões – não me perguntem porque eles não calcularam a bilheteria também em euros… isso é uma incógnita para mim. O filme foi realmente um sucesso comercial no país que viu o nazismo tomar conta da sociedade há 70 anos.
O filme tem uma trilha sonora muito boa – especialmente para os que gostam de rock’n roll – assinada por Heiko Maile. Entre os destaque, clássicos como Rock ‘n’ Roll High School, dosRamones, que abre o filme a todo volumen na apresentação do professor Rainer Wenger (que também veste uma camiseta da banda); Rock & Roll Queen, do grupo The Subways, entre outros grupos “rockzeira”.
Da equipe técnica do filme, vale a pena destacar o trabalho do diretor de fotografia Torsten Breuer e do editor Ueli Christen
Em sua trajetória, Die Welle ganhou dois prêmios e foi indicado a outros seis. O filme mereceu, segundo os críticos, o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante para Frederick Lau no German Film Awards, assim como, na mesma premiação, o produtor Christian Becker levou o bronze na categoria de Melhor Filme. O filme ainda foi indicado no Festival de Sundance na categoria “World Cinema – Dramatic”, mas perdeu na disputa para Ping-pongkingen.
Os usuários do site IMDb conferiram a nota 7,5 para o filme – para os padrões do site, está bem. Como é de costume no Rotten Tomatoes, site que abriga textos de críticos dos Estados Unidos, existem poucos textos sobre o filme alemão – exceto pelos ganhadores de Oscar e premiações afins, os críticos de lá não costumam assistir a muitos filmes estrangeiros. Ainda assim, o site abriga oito críticas positivas e quatro negativas para Die Welle – o que significa uma aprovação de 67%.

CONCLUSÃO:
 Um bom exemplo do “novíssimo” cinema alemão, Die Welle trata da possibilidade do ressurgimento de movimentos totalitários e excluentes, inspirado em uma história real de experimento em sala de aula feito nos Estados Unidos em 1967. O filme tem um ritmo veloz, bem dirigido, com um roteiro que consegue segurar a atenção e manter um certo suspense – sem transformar a história em algo pesado ou fictício demais – e, para fechar a regra de um bom filme, com interpretações bastante convincentes. Uma história curiosa sobre a manipulação de pessoas, a falta de rumo e de valores de uma sociedade consumista e individualista e os rumos que ela pode tomar. Bacana por ser crítico e, principalmente, bem narrado. E, para nossa surpresa, com uma brasileira entre as atrizes principais.

* Do Blog "Crítica (non) sense da 7 Arte"











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